Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 7 de junho de 2011

Do encontro com Agualusa ( ou, a noite do pavão)


Acabei de acompanhar a palestra do José Eduardo Agualusa, este ser humano da imagem acima, escritor badaladíssimo do contexto atual, no Teatro Castro Alves, aqui em Salvador.
Foi uma palestra sob forma de entrevista ou talk show brilhantemente conduzida pelo professor Doutor Henrique Freitas, daqui da UFBA - pessoa a quem Deus deu mais do que inteligência, porque o entrevistador em muito excedeu ao também excelente entrevistado.
Surpreendente foi ver que o Agualusa é natural, espontâneo, não deu resposta de lobby, não inventou o que não sabia...
E pergunta recorrente foi sobre seu livro Nação Crioula, em especial, e as várias recorrências, em outros livros seus,de sereias, de lagartixas,de anões e de albinos, de que nós que trabalhamos com teorias, gostamos de nos apropriar e oferecer outras leituras e outras interpretações que exploram estas metáforas. Nesse fosso, o próprio entrevistador também se atirou, formulando uma pergunta que girava em torno desta questão.
Acontece que Agualusa disse claramente que não havia resposta para isso, porque ele não pensava nisso para escrever, que era uma obsessão a que ele não pretendia buscar respostas e que, aliás, ele tinha medo das respostas.
Adorei todo o bom humor dele, a sagacidade, alegria, o jeito sábio com que ele lida com as incontáves confusões que fazem com ele e com o Mia Couto, trocando um pelo outro.
Mas, esta não é uma história de ficção, então eu vou começar do começo verdadeiro: sei lá o que houve, mas eu titubeei se viria ou não a Salvador ver o Agualusa.
Tatiana afirmou:"Eu não sabia que você era fã do Agualusa!Poxa, você quer mesmo ver o Agualusa? está se mexendo tanto só para ver o Agualusa?".
Mais do que afirmações interrogativas, isso era o indício de que minha amiga estava desconfiada de que havia algo por trás do meu interesse. E eu confessei: "Vou ver o pavão!". Eu estava me referindo a C., que me convocou a ir e a quem eu devia a minha presença, porque eu nunca cumpri minha palavra Uma só vez; eu sempre prometi ir aos eventos dele e nunca fui. E aí, o pavão queria se exibir e não seria mal dar uma massagem no ego dele.
Com Cléo foi essa mesma conversa, com um agravante: Minha amiga formulou um ultimatum, ou seja, propôs que se eu não me entendesse de vez com C. hoje, que eu deixasse ele em paz, que deixasse o namorinho medieval terminado, nada de reconsiderar, nada de porcaria nenhuma (porque agora as minhas amigas estão desesperadas para me verem namorando) - eu devo estar insuportável!
Eis que saí de casa às 16 horas, sabendo que o evento seria às 19 horas e 30 minutos, ressalvada a minha antecedência para pegar o ingresso na bilheteria do teatro.
Como me ocorre em momentos decisivos, mais forte que o meu desejo de ir, foi o poder do engarrafamento que em pegou na BR, já na entrada de Salvador, me deixando à deriva por 45 minutos.
Finalmente cheguei a Salvador, desci, fui procurar um caixa eletrônico porque saí sem dinheiro para táxi, despesas e etc. E haja fila!
Procuro um táxi: não adianta pegar ali, onde estou, porque toda a avenida está paralisada pelo engarrafamento urbano da área, no sentido que eu iria.
Atravesso a passarela, mudo de lado: tudo é caos. Pego um carro. Penso em desistir. o tempo passa. Em Ondina, 19 horas.
Meu ex me liga para me encher o saco, porque agora que ele está namorando, fica com medo de que eu namore também - perco a paciência, me sinto desafiada, resolvi ir, atrasada e sem a menor esperança de entrar no teatro.
Dez para as oito da noite: cheguei. Falo com o guarda do teatro que estou sem ingresso e que a bilheteria já está fechada: ele se comove, diz para eu tentar falar com o segurança do saguão.
A abertura já começou.
Faço cara de cachorro na chuva. O segurança me ouve e me dá uma esperança.
O segurança olha para as minhs pernas e facilita a minha vida. Penso:"Pernas, para que te quero?"e rio internamente do meu trocadilho idiota.
O segurança olha para os meus olhos e diz que eles têm tudo a ver comigo (e eu quase rio daquela conclusão!): ele me dá um ingresso, que eu não vou usar para nada, já que estou lá dentro. Ele diz que posso esperar no hall pelo toque de entrada. Vou!
E sigo pensando:" Benditos sejam os homens heterossexuais, porque estes gostam de pernas e de olhos de mulheres".
Entro e aí os melhores lugares já estavam tomados: olho o mar de gente e imagino que o pavão e sua imensa cauda estejam na primeira fila.
Procuro um lugar: gosto de estar só, gosto de estar quieta. Assisto bem quieta e atenta ao espetáculo do escritor e do entrevistador - brihantes!
Penso na minha tese e naquilo que eles dizem - as marcas traumáticas da experiência colonial portuguesa em nossas terras, que feriu aos meus antepassados e aos deles e que hoje alquimicamente vira poesia, ficção, discussão, apesar das feridas.
Penso com ódio no meu ex. Penso com apreensão em C., o pavão. Que frio! ar condicionado de louco, capaz de congelar as brasas do inferno e o Fogo do Juízo Final.
Acaba a entrevista.
Lá vou eu descendo a escada, procurando o pretexto, forçando a coincidência... Pluft! no meio de um mar de gente, C., o pavão: cauda aberta em leque no escuro.
Pego a câmera fotográfica: quero fotografar a cauda do pavão. Não funciona a câmera. Do nada abre-se uma linha no visor. Ele me vê. Eu o vejo. Todo mundo vê a gente e separa a gente, para perguntar bobagens.
Ele me diz qualquer coisa. Eu respondo qualquer coisa. Ele passa por mim e acaricia minhas costas, mas seguindo.
Penso que deveria ir falar com os meus conhecidos que hoje não são mais meus amigos. Não vou. Todo mundo circunda o pavão. Meu coração e só ciúme. P%rra!(penso, mas não digo!). Morro de ciúme. Ciúme, meu nome é ciúme. Nem tenho nervos de aguentar tanta gente em cima do meu pavão, que vai abrir a cauda de novo.
Que raiva!
Juro: parei no saguão e contei até dez, para me segurar.
Vejo que o pavão está a trabalho também. Oxalá terá sua vaidade magoada,porque o nome da instituição que ele representa foi citado, mas não o dele diretamente.
Ele é um pavão e agora não lhe falta público: abre a cauda em leque de novo e toda a platéia saúda sua beleza.
Olho o meu pavão no meio de muita gente e concluo que não aguento aquilo, não aguento disputar a atenção dele. Desisto. Pego o meu táxi. Tchau.
The end.

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