Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A melhor terapia


Outra do analista de Bagé
Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé, mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como “freudiano barbaridade”. E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço.
Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, “só se bate pra descarregá energia”. Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego.
- Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço.
- Ai! – diz o paciente.
- Toma um mate?
- Na-não... – geme o paciente.
- Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa.
O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta:
- Agora, qual o causo?
- É depressão, doutor.
O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.
- Tô te ouvindo – diz.
- É uma coisa existencial, entende?
- Continua, no más.
- Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico...
- Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.
- E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia.
- Pos, vamos dar um jeito nisso agorita – diz o analista de Bagé, com uma baforada.
- O senhor vai curar a minha angústia?
- Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.
- Mudar o mundo?
- Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.
- Mas... Isso é impossível!
- Ainda bem que tu reconhece, animal!
- Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.
- Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda.
- Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta...
- Escuta aqui, tchê: Tu te alimenta bem?
- Me alimento.
- Tem casa com galpão?
-Bem... Apartamento.
- Não é veado?
- Não.
- Tá com os carnê em dia?
- Estou.
- Então, ó, Bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.
- O Freud não me diria isso.
- O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?
- Não.
- Então te fecha. E olha os pés no meu pelego!
- Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo.
- Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:
- É pior que joelhaço?

(VERÍSSIMO, Luís Fernando. O analista de Bagé. Record/Altaya: Rio de Janeiro, s/d)

P.S.: Joelhaço é mesmo uma pancada no joelho; veado quer mesmo dizer homossexual e Bagé é aquela cidade do Rio Grande do Sul, caso tenham restado dúvidas.
Postagem especialmente dedicada aos meus amigos mais íntimos e problemáticos.

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