Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 14 de junho de 2011

Como escrever uma tese?


O pior não é nem esta sensação de que escrevo em círculos, de que sou tautológica e que como quem se perdeu, repara toda hora a mesma árvore no caminho. O pior mesmo é essa minha neurose de escrever à mão, manuscrito literal de tudo que articulo nos sempre incompletos capítulos.
Depois, fico aqui, com essa cara de desespero, de quem já cansou os dedos – e se meus dedos falassem, estariam roucos, afônicos – achando que esse trabalho nunca vai terminar. Bom, e se ele terminar, mas for substancialmente raso? E se o que eu pensei não fizer sentido? Numa pós-graduação strictu sensu não há lugar para louquéticas, mesmo que isso signifique que a louca é ética.
E das irresponsabilidades de ontem à noite, o que eu direi? Direi que me sobrou esta bruta dor de cabeça, uma sensação de machucado nas têmporas, porque eu fiquei com ele até duas da manhã. Como a gente tem assunto que não acaba mais, haja conversa, haja televisão, haja música, troca de Bluetooth, troca de beijos e troca de uma série de coisas que eu não posso dizer agora. E o tempo passa! E quando a acaba o que fazer, gastamos tempos em brincadeiras infantis como duas crianças que se admiram – é, fiquei muito tempo sozinha, me façam essa concessão, por favor!
Aqui tudo está frio e chuvoso e ele dirige na neblina, tentando adivinhar o caminho de casa. Eu deveria ter piedade, mas morro de rir quando ele me conta, porque ele bem sabe que tenho acessos de idiotices e até num dia em que ele sofreu um bruta acidente, quer dizer, o segundo acidente, há mais de oito anos, eu fui lá, dar risada da cara dele e ainda cantar uma música dos Raimundos: “Fizera pouco em tê-lo deixado, todo quebrado, desfigurado, irreconhecível até para a mãe...” – poético, não? Nem queiram saber o resto da música. Fosse o meu ex-namorado paranóico a ouvir uma coisa dessas de mim, daria um chilique, daria gritos nervosos que abalariam as estruturas do hospital e me faria um discurso moralista que me encheria de culpa. Glória a Deus que as pessoas não são iguais!
Os cachorros da minha casa fogem quando abro o portão para ele ir embora e passam a madrugada latindo para entrar. Se eu ceder aos latidos e for abrir o portão, eles fogem de mim e decidem não entrar nem sob ameaça. E aí, se consigo dormir depois e se um entra e os outros ficam na rua, os latidos são intermináveis – não, eu não tenho mais medo do Inferno: fiz estágio lá ontem e minha cabeça dói.
Almocei as coisas mais deliciosas do mundo, mas a dor de cabeça não passou e interferiu em minha degustação. E digitei, digitei, digitei, formatei, formatei, formatei, digitei e fiquei com sono à tarde.
Parei para ler o que eu escrevia. E se isso acontece, eu começo a discordar dos meus raciocínios anteriores e crio um texto em cima do texto.
E se constato que pensei que disse, mas não disse? Ah, meu dois neurônios!!!
Achei por bem ir à academia, já que faltei ontem: desgastei minha ansiedade na esteira e peguei uma bateria de exercício perversa, de deixar qualquer sádico com água na boca: mudaram minhas séries para 15 repetições e puseram pelo menos 10 e 20 quilos a mais em cada exercício. Oh, como eu sofro! E não há resultados extraordinários, não. E o ritual de auto-flagelação, com um instrutor mais sádico do que todos os tenentes do meu tempo de recruta, me deixa em dúvidas quando finalmente acabo essa tortura voluntária: terei eu acabado os exercícios ou terão os exercícios acabado comigo? Concluo que a segunda opção faz mais sentido.
Bem, meus dedos doem e minha orientadora não vai nem querer saber dessa história, porque hoje eu deveria estar em Salvador, na UFBA, mas joguei uma embromation, postergando o encontro para a outra semana, e prometi enviar o texto provisório (esse que eu não acabei ainda) e me faltam apenas 30 páginas para digitar. O que posso fazer é rogar a Nossa Senhora dos Doutorandos que me conceda a graça de que minha orientadora esteja tão cansada quanto eu, para não consultar o e-mail hoje e constatar minha inadimplência intelectual.
Não sei quantas vezes eu já li As naus, muito menos Terra Papagalli: só sei que no momento parece que eu não sei nem do que se trata. E sei que as irresponsabilidades da segunda-feira à noite têm tudo a ver com a minha busca por leveza – juro, o peso todo que levanto com as pernas e com os braços na academia estão, neste momento, em minhas têmporas. Poxa, Umberto Eco, me diz objetivamente: “Como escrever uma tese?”

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