Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Arqueologia dos prazeres: encantos e tormentos


“O menino completou a taça de Sócrates com o vinho temperado por Erixímaco. O filósofo verteu outra vez a mistura lentamente pela garganta, que ainda estava quente do discurso pronunciado. Do outro lado da sala, despontava Alcebíades, que chegava tarde ao banquete de Agatão. Retivera-o a festa dos atores e do coro, que também resolveram estender por mais um dia as comemorações pelo sucesso da sua tragédia. Um tanto distraído pelo que já bebera, Alcebíades demorou alguns instantes para encontrar o anfitrião e, reclinado ao seu lado, Sócrates. O ciúme acendeu-se no sangue já bem aquecido da bebida, mas o belo rapaz conteve o seu ânimo, estendendo-se no leito junto aos dois varões. Apenas inteirou-se das regras estabelecidas para as bebidas e as falas naquele convívio, e pediu a palavra para, por sua vez, fazer seu elogio ao Amor. No vinho apareceu a verdade.”
(Cf. Platão, Banquete, 217 IN: SANTORO, Fernando. Arqueologia dos Prazeres. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 15).
Acima está a parte introdutória das discussões propostas por Fernando Santoro em Arqueologia dos Prazeres.
Quem, a partir do título, deduziu aproximações e ressignificações dos postulados de Foucault, acertou: tanto vai à exploração filosófica da Arqueologia dos saberes quanto passa pela História da sexualidade. Logicamente, os prazeres que norteiam o assunto são de ordem variada, mas passam em maior proporção pelos prazeres do sexo. Há, portanto, o prazer da música e das artes, os prazeres do espírito, os falsos prazeres e muitos outros prazeres. Uma parte importante está no capítulo V, que trata da Catártica:
“O prazer, seja entre os que o defendiam ou entre os que o temiam, sempre contou com a questão da pureza entre os seus temas de reflexão e com a catarse entre as suas práticas mais intensas. Depurações, purificações, purgações, expurgações estão nos discursos filosóficos desde as mais remotas manifestações órficas, relacionando de modo íntimo as experiências do saber, da salvação, da saúde e do prazer. Não apenas no domínio da arte erótica é questão de prazer puro ou impuro. Também a arte poética produz um prazer depurativo característico na catarse do expectador. As religiões iniciáticas já buscavam o êxtase na purificação. E contrariamente, também, o discurso contra o prazer encontra sentido nas purificações dos desejos, nas expurgações das paixões. Textualmente, porém, a consideração acerca do puro (katharós), relacionada aos prazeres, vem a ganhar espaço decisivo na obra de Platão.” (Idem, pp. 143-144).
A descrição do Banquete aponta para as relações dos homens entre si, do Amor só possível, numa sociedade misógina como a da Grécia, entre os iguais, ou seja, entre os homens, de homem para homem. O caráter depreciativo que acompanha as visões da homossexualidade não imperava ali, diferentemente do que ocorre até os dias presentes.
Ao discutir a Catártica, acentua-se a necessidade do prazer e a forma como as sociedades trataram de traçar a condenação ao sexo ou a conceber e determinar a quem cabe ou não ter prazer. Os ideais de pureza, certo, errado, normativização e regras também estão sob o manto da discussão.
No caso das mulheres, nós já sabemos como se tratam e como se chamam àquelas que assumem desejos e vontades de prazeres sexuais.
Ontem a minha amiga mais íntima – no sentido de que conversamos pontos, vírgulas e reticências das nossas vidas – estava dizendo que a paixão erótica que ela sente pelo sujeito errado, há anos, se deve à sintonia sexual deles.
Em sua cara de pau extrema, ela disse que eu certamente sentiria o mesmo que ela, já que o sujeito, em sua competência sexual, degustava o corpo feminino como se fosse alguém que está comendo e que quer todos os sabores, cada detalhe, cada peculiaridade. E por me conhecer e entender quando eu digo que sexo ruim não é sexo e que odeio sexo genital, ela se convenceu do ponto de vista apresentado, porque, para mim, de fato, sexo é uma potencialidade porque o corpo é uma potencialidade.
Costumo postar imagens de homens nus por aqui: primeiro porque não existe este mercado de sexo para mulheres (é para gays e para homens heterossexuais); segundo porque acho interessante e bonito e, terceiro, porque acho incrível o corpo do homem. Portanto, um corpo de homem não se resume ao pênis, mas a tudo mais que ali está ao alcance dos cinco sentidos e de outros sentidos que, quiçá, nós nem detectamos ainda. Particularmente, acredito no sentido imaginativo, também. Deste modo, se pensando num homem e imaginando o que sequer conheço, ele desperta algo em mim, certamente ultrapassou os cinco sentidos.
Mas, então, adoro as mãos: gosto da leveza das mãos carinhosas do homem, da textura, do calor, do toque, da firmeza, da mão que aperta a minha mão e da mão que acaricia os meus cabelos ou que fica lendo o meu corpo procurando coisas e descobrindo coisas. Claro, não é qualquer homem que tem mãos hábeis. E não é qualquer mão que me (nos) interessa – infelizmente, na exclusão vão as mãos peludas, as de unhas pretas, as de unhas grandes ou as de ridículas unhas dos dedos mínimos grandes, as que portam anéis (oh, perdão, odeio homens que usam anéis!)...
Há homens que têm pescoços lindos, parecem príncipes, têm postura, têm uma altivez na sua simplicidade que, de longe, já são totalmente sexy. E há os que sussurram maravilhosamente bem e, então, a voz também faz parte do pacote avaliado.
E eu ficaria 5 anos aqui enumerando o que há de interessante e de potencialmente erótico no corpo de um homem. Isso, excluindo os fetiches porque se eu fosse incluí-los, teria que falar de tornozelos (que eu acho lindo, fofo, eu olho mesmo!) e de sardas (ah, sardas são meu ponto fraco) e cabelos (cabelos limpos, leves, cheirando a xampu... cabelos que a gente acaricia e os fios acariciam as mãos da gente)... Mas, sabendo que essa discussão é interminável, penso que os homens começaram a acreditar que sexo é só uma coisa genital. Por conta disso, deixaram de descobrir a si mesmos e deixaram as mulheres na mão (KKK! Nas mãos do deus Onam, porque é melhor um sexo bom consigo mesmo a um sexo compartilhado e ruim, sem sabor). Aí a máxima popular de que “Amor de p***, quando bate fica” se torna real.
Tem as exceções que percebem a dimensão plural de um corpo e não acatam os modelos deterministas do sexo falocêntrico, restrito, exclusivo...mas eles são exceções.
Já é tão difícil encontrar heterossexuais! E encontrar homens heterossexuais que sejam sábios com o prazer, que tenham o sexo como ars erótica, conforme propõe Foucault, aí é um achado, uma raridade.
Quando a gente diz que um homem é gostoso, é o nosso ato de comer com os olhos que fez com quem antevíssemos o sabor - aqueles que assim chamamos, nunca vamos lá dizer isso pessoalmente, fica tudo na imaginação mesmo. E acho incrível o homem que consegue ativar nossa imaginação.
Fantasias e estados de tensão sexual também compõem a sexualidade: flerte é uma delícia, esperas, insinuações, desejos e até as fantasias que nunca passarão de fantasias...
Não tenho nada contra fazer a coisa certa com a pessoa errada, fazer "coisas erradas " com a pessoa certa, assumir desejos, propor situações... o limite é o bem-estar e o respeito. E aí, mais uma vez vão os parabéns aos cafajestes - porque estes fazem as mulheres de gato-e-sapato porque conheceram muitas mulheres e fizeram do contato um aprendizado. Infelizmente, cafajeste é convencido e vaidoso, tende a se aproximar das mulheres para tê-las como adereço da vaidade, mas não dá para negar a competência dos cafajestes, porque eles percebem que as mulheres têm gostos plurais e nãos e furtam a considerar cada mulher como uma descoberta, assim como não inibem as mulheres que estão a fim de fazer descobertas no corpo deles. O resto é sexo de mídia, da indústria, da propaganda, da quantificação idiota, da mecanização de tudo que reduz nossa capacidade de sentir.

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