Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O pão daquele dia


Ele sabe que eu adoro pão. Não sei como ele conseguiu reunir uma variedade tão interessante, incluindo os raríssimos pães de sete grãos e aquela manteiga, também dificil, que eu gosto tanto. Nunca, na vida, eu havia recebido uma cesta de pães (nem daria conta de consumí-los).
Vê-se bem porque comer o pão que o Diabo amassou não iria nunca matar a minha fome.
Ele sabe fazer café.
Ele sabe que eu gosto de banana com canela e que eu não sou muito favorável a excessos de açúcar.
Ele sabe que eu gosto do meio-amargo e do agri-doce.
Ele sabe onde as coisas estão.
Ele sabe andar pela minha casa sem parecer que está invadindo. Por sinal, meu cachorro gosta muito dele...
Acho que gosto de dormir com ele, porque ele sabe a hora de ir embora.
Acho que eu gosto de dormir com ele porque ele me deixa dormir; e porque lida com os instantes como se fossem despedidas (e sabe que são despedidas).
Acho que gosto de dormir com ele porque não fico com vergonha de que ele me veja com a cara amassada e porque ele sabe me acordar ternamente. Acho que ele perdoa os meus defeitos e faz questão de acordar primeiro porque gosta mesmo de me olhar dormir.
Ele aprendeu sobre o meu sono: da sensibilidade a qualquer som (digo que se uma pena cair no chão eu acordo); dos sobressaltos dos raros pesadelos que sempre giram em torno de alguém invadindo a minha privacidade (vendo minhas fotos, abrindo as minhas gavetas, lendo os meus diários - pesadelo que transfiro para a vida real); do sono cansado e do espreguiçar sonso que acabará num abraço...
Ontem eu saí para caminhar e passei em frente à casa dele, à casa que era dele na Kalilândia, e por onde eu sempre passava depois das festas para ir para minha própria casa, antes de morar onde moro.
Ele já foi embora há dois dias, o vôo foi à tarde e eu pensei que é muito bom sentir saudades - e se não for bom, não tenho nenhuma opção...
Pensei que seria uma leviandade ficar triste.
Pensei em Drummond e fui procurar o poema O que se passa na cama

O que se passa na cama

(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pênis.

Ai, cama canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme onça suçuarana,
dorme cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima… O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.

E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.

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