Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Assim foi...


Não tem muito tempo que eu ouvi um palestrante do Café Filosófico – terá sido o Gykovate? Ou Renato Janine Ribeiro? – falando que a gente tem mania de fotografar tudo que vivemos, sob o risco de nem a gente mesmo acreditar. A ironia foi por conta das ilusões de lazer que todos nós experimentamos. Eis aí o meu registro do réveillon que excluí os momentos de blábláblá com Adriana, quando a gente lamentava o casamento dela, com o marido por perto; e recordávamos tantas doideiras em Porto Seguro, na Chapada Diamantina e em outras viagens que fizemos juntas, quando ela era solteira (e feliz!).
Registrei alguns vexames dos colegas e dos desconhecidos, passando a virada do ano com o estômago revirado, vomitando nos jardins da Vila dos Pescadores; minimizarei a narrativa do acidente cinematográfico sobre a ponte do Rio Pojuca, envolvendo quatro veículos, a quatro quilômetros da entrada da Praia do Forte, meia hora antes do réveillon, porque teria tanta coisa para falar...
Mas, enfim, apesar dos feridos não terem grandes problemas, foi interessante o comportamento de todos nós, no engarrafamento, que lamentávamos mais nosso atraso para a festa do que o acidente – seres humanos, oh, que incrível criação de Deus!!! Fosse nos dias de hoje, até Deus convocaria um recall para a Humanidade. Agora, estamos aí com nossos defeitos de fabricação.
Bom, criam-se ritos de passagem para tudo... Por mim, não estou aqui para protestar porque acredito na eficácia do simbólico e, assim, acho que tudo em que a gente acredita existe, porque tem seu aparato simbólico para isso. Logo, por menos lógico que seja – um vampiro, um lobisomem, um extraterrestre, uma alma penada, um Paraíso, uma vida eterna, um amor perfeito – a crença é que faz a existência imaterial das coisas. Ah, tá, parece contraditório...
Certamente, os corajosos ateus são odiados porque quebram as regras e enxergam a vida em sua crueza, sem ninguém para te salvar nas horas de aflição, sem vida após a morte, sem justiça divina, sem providência divina, sem intervenções, sem compensações, sem previsões - antes partilham da visão realista do “futuro de uma ilusão”.
Fala-se muito na intolerância religiosa e eu, particularmente, tenho visto é gente etnocêntrica e crenças etnocêntricas, mas é praticamente universal a perseguição aos ateus, que nem são tratados como gente ou são associados ao demônio... Basta discordar da maioria que o cara está julgado e condenado. Não quero dizer que esfacelando o lado simbólico das crenças os ateus não tenham lado simbólico. Não sou tão ignorante assim e se fosse estaria endossando os preconceitos contra eles.
Voltando aos ritos de passagem, o que seria de nós se não acreditássemos nas cerimônias de casamento? Ora, aquela assunção social de um compromisso pública e religiosamente compartilhado exerce força simbólica.
E os medos de morrer pagão, sem batismo? E como acreditamos, ao vestir becas e togas no cerimonial de formatura, que estamos realmente formados? E sem Defesa Pública de dissertação e de tese, em seus cerimoniais, réplicas, tréplicas e argüições, como seria ser mestre e doutor? E o que seria de nós, meu Deus do Céu, sem o apoio simbólico da crença no amanhã? E o amanhã é tão desconhecido, tão imprevisível, tão fora do determinismo do Destino que, ainda bem, nos abre as portas da esperança no que pode mudar.
Infelizmente, dentro do imprevisível está o improvável. Traduzo o improvável como impossível: embora tudo possa mudar, não vou acordar com a notícia de que ganhei um carro, uma grana maciça ou uma casa na praia. Tampouco o meu artista favorito vai aparecer à minha porta. Mas, sendo improvável, quem disse que não posso, simbolicamente, construir sonhos, voar imaginativamente até os meus desejos, querer, querer e querer? É nossa válvula e nosso combustível esse querer e esse desejo – os que conscientemente sabemos impossíveis e os que tornamos reais nos sonhos e nas fantasias. Infeliz de quem não sonha, triste de quem não deseja, porque já morreu e não sabe disso.
Quanto de verdade colocamos no coração para desejar o bem a quem amamos? Quão concretamente queremos que nossos amigos tenham o que merecem? Esse simbólico, sim, é válido, não carrega o vazio do lugar comum do repetido “palavra é força” e dos ineficazes e vagos “pensamentos positivos”. Dentro de nós há a verdade do voto dado, dos desejos em favor do Outro e é essa verdade que dá suporte ao que acreditamos.
Bem,acabou a festa que durou, para mim, uma semana e cá estou eu, de volta ao que me espera, aos livros para ler, às coisas para escrever, às obrigações em geral e aleluia que o sol tenha brilhado nestes dias de praia.

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