Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Uma noite com eles


Comer o pão que o Diabo amassou não vai matar a minha fome. E quando digo “Desta água não beberei”, é porque sei que terei que aturar a sede, portanto assumo as minhas escolhas e sou firme quanto a elas. E foi o que ficamos discutindo ontem à noite na casa de Héber. Na verdade, discutimos coisas pessoais e coisas coletivas que parecem pessoais...
Foi uma noite bastante feliz: ainda somos tão amigos quanto éramos no tempo em que nos preparávamos para o vestibular, estudando na Biblioteca Municipal daqui. Eu, ele, Renê, Nanno, Arquimedes e uma galera de gente que acabou se conhecendo e não se largando mais, nem largando mais os livros e as boas discussões... E passe quanto tempo for, vendo mais uns do que outros, nosso encontro é sempre profícuo.
Alguns se tornaram literalmente ricos porque fizeram os concursos certos, foram para longe, fizeram boas escolhas e são tão gente quanto eram antes, com a diferença da plena tranqüilidade financeira.
Considero a noite de ontem como um segundo réveillon, talvez mais verdadeiro do que aquele da noite do 31 de dezembro.
Gente de carne e osso, que pena, sofre, chora, ri, se regozija, sonha, investe e erra: faz tanto tempo que eu só vejo robôs em minha frente que, talvez, por isso, eu tenha me sentido tão bem com eles – nós, uns cafés, umas conversas, os pais de Héber – de quem nós gostamos muito – brincadeiras, histórias, memórias, bobagens e muita discussão consistente e sincera.
Acabamos na pauta sobre a felicidade. Todos nós já fomos felizes várias vezes e não estou falando daquela felicidade contida, da alegria calma das conquistas ou da paz de espírito por tudo estar bem, mas daquela felicidade que dá medo.
Pois é, a felicidade plena é assustadora. Não é só desejar e ter, não é só chegar ao objetivo é experimentar um troço que eu duvido que haja qualquer droga que reproduza ou que a sintetize.
Todos nós tivemos medo dessa felicidade, mas nosso medo era por saber que iria acabar. Colocar os pés no Paraíso é uma experiência que a gente sabe que tem dia, hora, cronômetro para acabar.
Até os médicos já disseram que seja qual for a felicidade – até mesmo as que vêm da paixão – precisam ser mesmo datadas porque nosso corpo não suportaria o prolongar de tanta endorfina, adrenalina, excitação, nervosismo, estado de atenção, dentre outras reações. A felicidade vicia, eu sei... Mas quem tem escudo contra ela? E quem vai querer desperdiçar felicidade? É impossível não ter medo da felicidade.
Agora foi que eu vi que, sei lá por que, nunca conheci mulheres na Biblioteca. KKK! E sei que elas estavam lá, mas os meninos estudavam Física e me interessavam, claro... Tudo mera coincidência, já que eu tinha amigas do colégio e lá eram só os amigos meninos que se aproximavam...
Namorei um deles,aqui não citado, como não poderia deixar de ser entre tanta gente desejante junto e antes de se instaurar o sentimento de amizade; e os demais se tornaram o que são até hoje: meus grandessíssimo e respeitáveis amigos.
Lembramos das roubadas em que já nos metemos, nos congressos, nas festas, nos programas de índios que já fizemos... E quem diria que aquela dureza toda um dia iria virar piada? E quem diria que todas as pindaíbas, crises e vicissitudes um dia seria risíveis? A cumplicidade permanece.
Falamos sobre as ilusões de hoje, onde “amigos” e seguidores quantificáveis criam ilusões de companhia e acabam revelando as outras tentativas de aproximar os seres humanos em comunidades: até o estabelecimento das comunidades virtuais (de qualquer tipo, incluindo as redes sociais), passamos por vilas,aldeias, sociedades alternativas, villages, condomínios e todo tipo de associação que pudesse dar a sensação de inclusão e acolhimento - Igrejas, congregações, torcidas organizadas... tanto faz!
Numa sociedade em que a iniciativa privada, a ação do indivíduo mostra que cada um é problema de si mesmo (daí a proliferação da auto-ajuda, porque ou você ajuda a si mesmo ou ninguém quer te ajudar) e até a Psicanálise mostra que é você quem deve tirar suas conclusões e aprender a ler seu texto interior, poucos de nós percebe que isso que parece particular e individual se multiplica nas pessoas, é numericamente expressivo, todo mundo tem, todo mundo sente. Logo, o que parece ser um problema individual é, na verdade, um problema coletivo.
Não somos amigos porque constituímos uma associação ou cooperativa para resolver problemas comuns. Aconteceu, porém, de sermos irmanados e cúmplices, até mesmo na hora de comer o pão que o Diabo amassou.
Tem uma água que eu digo que não beberei, mas não porque não mate a minha sede. Aliás,o problema é que a sede sempre se renova. Contudo, as fontes da água daqueles olhos cor de violeta às vezes me intoxicam, dão efeitos colaterais como: confusão mental, aceleração cardíaca, distúrbios da percepção, alterações do sono, ilusões, dentre outros efeitos, além de me viciar.
E por falar nele, que me perturbou o domingo inteiro e até o meio-dia desta segunda-feira me mandava torpedos SMS com aquele dom de iludir que eu conheço tão bem, meu amigo Abílio resolveu nomear o filho dele de Thales. Diante disso eu deveria ser mais crítica com as minhas amizades...Onde já se viu?

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