Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Escreveu, não leu


Somente ontem eu soube que um nosso professor bambambã que sempre citou James Joyce, jamais leu o Ulisses. Poxa, foi chocante! Sei que coloquei tudo no plano da falsidade ideológica, uma vez que o professor carregava bandeiras e defendia causas, mostrando a superioridade da palavra poética na estruturação daquela narrativa. Oh, como doeu! Ele veio admitir isso agora, por estes tempos... Mas não é vergonha não ter lido todos os livros do mundo.
Se o pensamento de Harold Bloom é elitista para a maioria das pessoas, conforme dizem acerca do que comporta O cânone Ocidental, não deixa de ser realidade que quem lê faz escolhas. As escolhas, acrescento eu, são permeadas pela recomendação, pela curiosidade, pela oportunidade, pela empatia e pelo fetiche do nome do autor ou da obra. Nem estou colocando aqui as escolhas compulsórias – ta, é contraditório – no sentido das obrigações escolares e das obrigações morais, mas muitas vezes se diz que é preciso escolher uma obra da literatura africana, da portuguesa, da brasileira... Ou se colocam dez títulos para que, dentre estes, as escolhas sejam feitas. Chamo de escolhas compulsórias, porque há a obrigação e as alternativas são circunscritas.
Argumenta Harold Bloom que quem lê tem que fazer escolhas porque não há tempo para ler tudo, para ler todos os livros do mundo. Portanto, cabe ler os melhores. E, assim, os problemas ficam em torno do conceito de bom e ruim, de melhor e de pior, em sua porção sócio-política, porque se depreende que os melhores são aqueles livros escritos ou indicados pela elite e que, por sua permanência ao longo do tempo, se tornaram canônico.
Entramos na lógica da perda do tempo: é terrível perder tempo com um livro ruim. O caso é que há livro ruim de autores bons, embora haver livros bons de autores ruins seja bem difícil. Falar de bom e de mau em termos de julgamentos, desconectado de discussões politicamente engajadas, é admitir que, sim, temos preferências e temos ideia do que é feio, do que é bonito, do que é bom e do que é ruim. Há distinções e nós temos noção disso.
Lembrei que a VH1 já fez mil tops sobre “bandas de um só hit”: é, elas existem. E há autores de um livro só, também... Até meu querido Millan Kundera eu desconfio que possa integrar essa lista. E olha que ele é o cara que escreveu o livro que eu mais admiro, aquele livro que posso chamar de livro da minha vida, que é A insustentável leveza do ser. Ou pode ser que o livro seja tão bom que nenhuma outra obra do mesmo autor pode se equiparar a ele.
Bem, recentemente uns amigos meus vieram passar uns dias aqui em casa e perguntaram se eu já li todos os livros que estão na minha estante. Sim, li quase todos, por completo, mas não daria para ler todos. E só fui capaz de ler tantos títulos porque, na verdade, o acervo é materialmente novo, mas li cada um deles em meu tempo de universitária de graduação – e naquela dureza, eu só tinha xérox ou livros da Biblioteca Central da UEFS.
Não invalida você dar um parecer sobre um livro que você não conhece. Temos nossos pré-conceitos, sim. E tanto é assim que até o “Não li e não gostei” dito por não sei quem, entrou para nossas máximas populares. O que acho condenável é a falta de idoneidade intelectual que faz com que a pessoa afirme ter lido o que não leu, que faça da obra não lida uma bandeira em causa própria ou que finja ser leitor dos grandes nomes consagrados apenas para fazer dessa suposta leitura um cartão de acesso a sei lá o quê que dá prestígio e confere um status de cultura ou de capital simbólico...
Orelhas de livros, resenhas e resumos são recursos que muitos picaretas usam. Sinopses, resenhas, resumos e orelhas de livros são meramente informativos, servem para guiar uma escolha, não substituem a leitura. Como meios auxiliares, serão sempre bem vindos e necessários, o problema é justamente o mau uso de tudo isso...ah, meu blablablá é porque eu admiro o cara, o professor bambambã e agora que ele não passou no teste de fidelidade de leitura, estou com a cara no chão... E o cara é um bruta escritor! Pois é, escreveu, não leu.

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