Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Legítima defesa


As duas situações que vou descrever não são de ordem fictícia. Advirto logo, porque sei que vai parecer piada.
Há uns cinco ou seis anos (se não mais!) eu mandei um torpedo SMS para Valério, porque havia um tempo imenso que a gente não se falava, com o seguinte conteúdo aproximado: "Tudo bem? Sua defesa já aconteceu ou ainda vai acontecer neste mês? Dê notícias. Tchau!".
Ocorre que eu recebi como resposta um torpedo mal escrito e totalmente assustado, paranóico e desesperado, em que a pessoa me questionava quem eu era, como eu soube da defesa e o que eu queria.
Entendi que aquele não era mais o número de Valério e, claro, não respondi senão após o terceiro torpedo recebido, explicando que eu confundi o número e tal, mas, sinto muito, a pessoa definitivamente não tinha ideia do que fosse dissertação. Logo, não entendeu nada, mas entendeu que o papo não era com ela (ela a pessoa).
Depois, finalmente encontrei Valério, que explicou que o telefone dele havia sido roubado.
Deduzimos, de tudo, que a pessoa que recebeu os torpedos, estava devendo muito à lei, certamente iria a julgamento por outra coisa (esperava o julgamento em liberdade, quiçá) e entendeu que a defesa era a defesa legal, em Tribunal e etc.
Hoje deixei um recado no MSN para uma amiga, pedindo uns cintos que eu emprestei e que pretendia usar na defesa de Tati, daqui a alguns dias.
De forma ainda mais desesperada, recebi um telefonema que já foi descarregando: "Meu Deus, o que foi que Tati, fez? Qual das nossas Tatianas, Mara?Julgamento não é assim, Mara, você estava sabendo das coisas havia tempo, né? ninguém me conta nada! o que foi, foi roubo?"
Pior do que em qualquer drama, foi que eu ia começar a explicar, quando a ligação caiu. E haja Deus para eu recobrar o contato - em minha cabeça o pesadelo do dano moral à minha amiga se multiplicava, porque era bem capaz que a minha interlocutora fosse comentar com os outros que a defesa de Tati seria em breve, supondo problemas com a Justiça.
Somente há pouco eu pude explicar, tudo pormenorizado, o que era uma defesa.
Se bem que às vezes tem gente que assassina a obra literária e, sim, precisa alegar legítima defesa - e quem já não foi vítima de um desgraçado de um livro ruim? você sabe os riscos que corremos diante de um livro miserável, obrigatório? é de matar! mas às vezes é a gente que tem impulsos insanos e quer morrer (Oh, meu Pai, senti isso quando tive que ler Viagens na minha terra, de Almeida Garret; com a Sagarana de Guimarães Rosa e, claro, com Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro. Não saí dessas leituras sem traumas, sem sequelas horríveis e ainda por cima, tendo que fazer "o social" e fingir que eu gostei dessas obras. Eu tinha era que ser indenizada pelos traumas sofridos!).
Há um lado sádico no cânone, não é?e eu, que sou professora, tenho que enrolar meus alunos toda vez que repito as lições do meu carrasco e lhes digo: "Não se lê apenas aquilo de que se gosta!"
Deus castiga minha hipocrisia e me põe diante das teorias de Frederic Jameson e do desagradavelmente tautológico Compagnon - apropriadamente aquela obra maligna que se chama O demônio da teoria - é, obra do demo mesmo!.
Agora, voltando aos problemas de comunicação, como é que pode acontecer equívoco dessa ordem? eu falando de defesa de dissertação e a pessoa pensa que é defesa jurídica!
Daí a gente vê o que os amigos esperam da gente.
Vou até dar logo o nome do padre, já que eu rezei a missa toda: Tella. Foi ela quem fez essa confusão - e olha que ela é louca por advogados (e ultimamente por pais-de-santo também)e deve ter imaginado que a pobre da Tatiana, com minha cumplicidade, atropelou e matou alguém, desviou verbas, cometeu atentado ao pudor...qualquer coisa é provável, menos ser a defesa de dissertação.
Como disse Belchior:
"Mas não se preocupe, meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção
A vida realmente é muito diferente,
Quer, dizer, a vida é muito pior".
Donde esta que vos escreve preferia que tudo fosse ficção mesmo - se bem que agora eu já estou rindo da tragédia.

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