Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O nome do Pai


Estou nas sessões de psicanálise desde 2003 e sei o quanto é uma questão crucial matar o Pai no plano simbólico.
O Pai: primeiro namorado, primeira referência de homem, primeira grande paixão das neuróticas histéricas e falando assim, tudo pronunciadinho, ninguém percebe que para a Psicanálise este é o padrão-normal de mulher. Aliás, normal é ser neurótico e é por isso que "de perto ninguém é normal".
Pior seria se eu fosse uma daquelas pessoas que voltam duas vezes em casa para ver se trancaram mesmo a porta ou se desligaram o fogão, ensaiando o perfil do sujeito acometido por Transtorno Obsessivo Compulsivo; ou daquelas que ficam contando frestas de janela, quadradinho de piso,botões, contando qualquer coisa, neuroticamente, sem saber que aquilo é feito para que elas se desviem dos próprios problemas psíquicos ou para gerar a sensação de que a pessoa controla algo; ou se eu fosse um daqueles mega-medrosos que dão chiliques, armam barracos e gritarias por medo de entrar em algum lugar ou de experimentar coisas de que já têm medo antes mesmo de tentarem, tipo viajar de avião.
Mas eu já tive coisas assim, quando meu Complexo de Édipo se manifestou pela primeira vez. E era tão verdadeiramente Complexo de Édipo que eu fiquei com medo de ficar cega... e esse negócio de matar o Pai demorou, viu? até o ano passado eu nem sei se realmente eu havia matado meu Pai (não entendam isso num sentido Von Ritchofen do termo).
Mas o que eu queria dizer é que meu Pai veio aqui em casa na tarde desta segunda-feira e o substituto dele (o Substituto do Pai, que é outra mala em minha vida, meu Jesus!)estava no sofá, assistindo sei lá o quê, enquanto eu estava na minha amada mesa (pausa para dizer que eu amo a minha mesa, sou apaixonada por ela, me endividei por ela, mas ela é tudo que eu amo nesta vida, materialmente falando), lendo e escrevendo, porque minha vida agora é ler e escrever com um *uta medo do dia da Qualificação.
Eu emiti umas opiniões sobre não sei o quê, disse umas vagas interjeições aqui e ali e só me lembro que eu me fixei na conversa quando meu pai começou a contar um caso.
Eu falo como uma matraca - a incontinência verbal não é mera metáfora, nem repetição vazia da Bridget Jones, não - mas eu adoro ouvir. Eu adoro ouvir casos!
Adoro casos bestas de infância, do gato de um, das goiabas da fazenda da avó do outro, das histórias de família, de besteiras, de curiosidades... e eu já nem sei há quanto anos eu não ouvia o meu pai contar um caso.
Há um abismo entre mim e o meu Pai, especialmente depois da morte simbólica dele, porque eu parei de idealizar e, por conta disso, eu o vejo como o grande corrupto que ele é, o articulador político, a raposa velha... e moralmente isso me afeta. Para o povo, não: coisa corriqueira. Então, geralmente eu desço a madeira. Nem deve ter um mês a última vez em que eu descasquei a batata dele, no cara-crachá, porque eu não sou de mandar recados. Pessoalmente, eu não confiaria em meu Pai de forma algum, em se tratando de negócios - e ele não penetra em minha vida nem pela porta do fundo, porque ele e minha família sempre acham jeitos argutos de seguir meus passos.
Ouvir o caso que ele contava, e que era verdade, com testemunho de meu tio e tudo mais foi trazer meu Pai para o plano comum: não só porque não é mais meu Super-herói, mas porque é um ser humano de carne de ossos, com medos, fraquezas, pessoa comum, filha de Deus, enfim.
Um grande professor meu depreciou Jorge Amado ao chamá-lo de "contador de causo" - ele falou isso para contrapor mesmo a obra amadiana às canônicas em geral - mas a mim não disse nada: acho incrível quem sabe contar um caso, quem tem o dom da narratividade.E aliás, sou uma narratária atenciosa e amo meu Jorge Amado, sim.
Mas, então, o meu Pai me levou na oralidade - eram coisas sobre São Paulo, antes de eu nascer e antes que ele e minha mãe se casassem, não tinha a ver com a minha história, era muito anterior. Mas eram histórias. Adoro histórias. Ali eu me reconciliei subjetivamente com o meu Pai, que continua morto, como deve ser...

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