Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A arquitetura dos amores


"O inferno pelo qual eu passara - como posso te dizer? - fora o inferno que vem do amor. Ah, as pessoas póem a idéia de pecado em sexo. Mas como é inocente e infantil esse pecado. O inferno é mesmo o amor. Amor é experiência de um perigo de pecado maior - é a experiência da lama e da degradação e da alegria pior. Sexo é o susto de uma criança."
(Clarice Lispector. A paixão segundo G.H. Rio de janeiro, Rocco, 1998, p.133)
Não vou aqui discutir as profundidades filosófico-existenciais desta obra de Clarice Lispector, mas, se cito é porque vejo algum traço de identificação com coisas já vividas.
Pensei nesta leveza dos amores clandestinos, dos sentimentos fraudulentos, das paixões imprecisas que não passam de emoções de duas semanas...
Ás vezes é o desejo de vazio, o desejo de solidão, tudo naturalmente dado,como uma necessidade, sem sofrimentos. E isso me faz ver que quando a solidão é escolha deliberada, não dói como um castigo. Dói é ser condenada à solidão, a uma vida sem paixões, sem amanhã que se preze, quando os dias se tornam dízimas de uma existência oca. Aí dói mesmo!
Eu saí do inferno e acho que isso determina minha postura atual com a vida. Não é nem que necessarimanete tenha surgido uma postura nova diante da vida, é que ela veio à tona.
Léo me passou na cara, ante minhas reclamações de que eu já não tinha nenhum amor verdadeiramente importante, que por muitas vezes eu dizia que eu queria mesmo era esquecer quem eu amava e não amar a nenhum outro, que felizes eram os que não passavam pelos sobressaltos, pelos dissabores, pelas torturas do amor.
Reclamei tanto dos hematomas deixados pelo amor desfeito! E não sou dessas pessoas que acham que amor e paixão são diferentes. Não! meu amor é minha paixão!
Não gosto de relacionamentos mal temperados - isto é, sem sinais de paixão. Amor que se renova todo dia é paixão das boas.
Mas, amar é um inferno!
Depois que a gente sai do inferno, não quer mais papo com o Capeta, nem quer arder no fogo do Juízo Final, ainda mais quando objetivamente não vale a pena.
O caso é que não basta saber onde está a porta de saída do inferno. Lembra? "É o estar-se preso por vontade!" e, portanto, uma vontade duvidosa te faz se sentir fraco, sem a menor força para ultrapassar a porta que te tira dali.
Perto disso, sexo não é nada - o pecado maior, a degradação e a lama estão no amor.
É por amor que a gente desce bem baixo, se humilha, se mata, morre todo dia um pouco, faz papéis ridículos, acata aviltamentos, vive de esperanças vãs de correspondência, arde em ciumes, em desesperos, em inseguranças, em pesadelos.
O amor de que fala Clarice Lispector é bem maior do que esse, de homem e mulher, mas também é esse amor de homem e mulher (ah, aplicável a quaisquer pares, claro!).
Ontem a gente presenciou uma cena de tango argentino, lá no Jeca Total, com todos os clichês, todos os lugares-comuns a que se possa ter direito.
A mulher traída entrou furiosa, pegou o marido irresponsável, perdeu a cabeça, abdicou da dignidade e o escândalo avançou do bar para a rua - isso é que dá eu resolver tirar o pé de casa com Cléo já bem depois das 23 horas e mudar o percurso, porque estávamos indo a uma festa e eu que sugeri ir ao Jeca, tentar ver outra pessoa.
Uns ficam consternados, mas sabem que não devem "meter a colher", porque depois tudo se resolve com sexo e com promessas de fidelidade.
Outros, como nós duas, pensávamos em como chamar a polícia, como intervir... mas optamos pela segurança da omissão. Mas,a polícia veio, porque a rua é mesmo cercada de prédios de classe A e o povo se mobiliza.
Ficou em nós a identificação pela mágoa: como as mulheres sofrem por amor! E nesse momento, demos muitas graças a Deus por já não estarmos atadas a ninguém.
Repito quarenta mil vezes, sem constrangimento em ser óbvia: Não há solidão pior do que a companhia de um homem sacana.
Se reclamamos de não ter em quem pensar antes de dormir, nem para quem comprar um presente, também isso tudo é um preço baixo para a paz.
Não queria que Sandro pensasse o que pensa, nem queria me importar com algumas coisas quase sem importância, mas o que é mesmo que importa?
O inferno é quente e não é aconchegante, mas é agitadíssimo.
Deus me livre de medingar o amor de alguém, principalmente daquelas pessoas que não querem nada conosco, que deixam claro suas escolhas - só me dá piedade das minhas amigas que estão esmolando uma migalhinha de carinho, de atenção, de reciprocidade, apostando em mudanças, subornando sentimentos com presentes e vantagens, sonhando que tudo mude, dando de graça as coisas mais valiosas que têm em si, adoecendo. Ah, meninas, vão bater em outra porta!
Tudo que digo é porque eu sei. E tudo que sei, nesse quesito, é porque eu já vivi. Conheço tudo do inferno!
E prestem mais atenção às palavras de Clarice Lispector - afinal, olha o espaço do amor num livro que se propõe a tratar da Paixão (segundo G.H. e as iniciais de qualquer um de nós)- não: amor e paixão não se separam, só quando se desgasta este presunçoso sentimento.

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