Louquética

Incontinência verbal

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O peso e a leveza


" O drama de uma vida pode sempre ser explicado pela metáfora do peso. Dizemos que temos um fardo sobre os ombros. Carregamos esse fardo, que suportamos ou não. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. O que precisamente aconteceu com Sabina? Nada. Deixara um homem porque quis deixá-lo. Ele a perseguira depois disso? Quis vingar-se? Não. Seu drama não era de peso, mas de leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser.
Até então, os momentos de traição a excitavam, a idéia da nova estrada que se abria e a aventura sempre nova da traição que lhe esperava no fim da viagem enchiam-na de alegria. Mas o que aconteceria se a viagem terminasse? É possível trair os pais, o marido,um amor, uma pátria, mas o que sobraria para trair quando não houvesse mais nem pais, nem marido, nem amor, nem pátria?
Sabina sentia o vazio em torno de si. E seria esse vazio o objetivo de todas as suas traições?
Até aqui, não tinha consciência disso, o que é compreensível: a meta que perseguimos é sempre velada. Uma moça que deseja um marido deseja uma coisa que lhe é totalmente desconhecida. O jovem que corre atrás da glória não tem nenhuma idéia do que seja a glória. Aquilo que dá sentido à nossa conduta sempre nos é totalmente desconhecido. Sabina também ignora que objetivo está oculto por trás do seu desejo de trair. A insustentável leveza do ser, seria esse o objetivo? Desde sua partida de Genebra, aproximou-se terrivelmente dele."
(
KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser.Rio de Janeiro: Record, 1983, pp. 127-128).
Sabina é bem diferente de Tereza,a personagem central desta narrativa.
A insustentável leveza do ser não é respondida aqui, mas ao longo do livro - e ser respondida não quer dizer ser resolvida. Essa aporia me fascina.
Saio da Literatura, volto-me para a minha vida: O dia está lindo, mais uma vez, calmo como uma manhã de domingo deve ser - talvez por isso eu tenha declinado das obrigações de leitura e escrita, para me verter sobre esta minha paixão pelo livro da minha vida.
Talvez porque acabei de falar sobre paixão com ele - ele, que tanto compreende minhas aporias pessoais e que faz minha manhã de domingo ser mais bonita.
Ele entende isso. Ele entende tudo e isso me conforta (para dentro de mim eu estou a dizer, a gritar o quanto é bom ter contato com um homem inteligente).
Eu já nem sou tão capaz de paixões por homens, salvo as paixões efêmeras e as covardemente retroalimentadas pelos pequenos gestos que me encantam.
Há dias em que trocamos insultos de ciúmes (ciúmes bravos, de porta de delegacia!)e dias em que achamos engraçadas as situações geradores de conflitos.
Há dias em que somos um do outro, um para o outro e dias em que só a distância resolve.
Há dias em que ele nem existe e dias em que eu não aguento pensar em nada; e tudo é só gerúndio: um indo, um sendo, um ficando, um gostando, um estando intermináveis.
Gosto de brigar com ele. Gosto de brigar com quem eu respeito, de medir forças com o mais forte só pelo desafio do conflito, mesmo que seja para perder com dignidade.
Gosto mesmo de uma boa briga, mas só com os bons lutadores - odeio os covardes, os que trapaceiam, os que jogam baixo e dão golpes baixos. Luto olhando nos olhos do meu opositor e ele compreende isso.
Sei que eu seria muito inclinada a ter um affair com um inimigo, mas nunca com um amigo. Amigo é família; inimigo é desafio.
Todos os dias em que tenho um desafio, me apego ao simbólico, digo que sou de áries e que meu santo é São Jorge, que não dá moleza para ninguém, que prega a luta justa e que não é inerte. E Marte me rege indubitavelmente.
Odeio as coisas inertes, as pedras que nunca rolam, as pessoas que nunca encaram desafios, que têm medo de pegar na lança, que temem os conflitos. Vivo de guerra, sou belicosa, mas gosto muito da forma como ele me vence.
Ele entende os meus pesos, os meus fardos,as coisas próprias da existência - ele sabe como o amor é mau.

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