Louquética

Incontinência verbal

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Certas canções que ouço


É quase genérico o fascínio que os estudantes de História têm pelo estudo da Ditadura Militar brasileira - só comparável ao fascínio exercido pelo desejo de conhecimento da Mitologia grega.
Para aqueles que são memória viva do período da ditadura, é imperdoável a pouca memória do brasileiro e seu desinteresse pela sua própria história. Acho que há um cansaço aí, também.
As nossas experiências políticas que a Literatura ficcionalizou comprovam que tanto faz se é Império ou República, tanto faz a forma de governo, o povo é sempre desfavorecido (vide os personagens e as narrativas de Machado de Assis e de Lima Barreto). Até a Independência e a Proclamação da República foram feitas à revelia do povo.
A História do Brasil se tornou um aglomerado de frases feitas sem o menor sentido prático: "Independência ou morte!", por exemplo!
Das nossas descrenças no país do futuro que ignora seu passado e enfrenta um presente contínuo, fica em primeiro plano a total certeza de que não há político honesto nem salvação pela honestidade e pela idoneidade política. Aprendemos que todos, invariavelmente, metem a mão na cumbuca e se aproveitam dos cargos públicos para tratar de alimentar sua riqueza pessoal.
Mas ainda sobrevivem muitos que até hoje acreditam que os presos, torturados e mortos pela Ditadura eram delinquentes. E como deram o mau nome, totalmente inadequado, de Revisionismo Histórico para quem nega a história, seus vestígios, sua constituição ( o que inclui negar o Holocausto, apesar dos sobreviventes, das estruturas das prisões e dos campos de concentração, de vários documentos), temo que o Revisionismo consiga apagar ainda mais a vaga lembrança do brasileiro em relação à sua nação.
Ninguém esquece quem venceu a Copa de 1956, mas ninguém vai lembrar em quem votou para Senador, nem quem era presidente do Brasil em 1996, nem qual é o nome do atual presidente da Nicarágua. Sabemos, porém, que Ronaldinho foi casado com Daniela Cicarelli. Eis a nossa memória.
O canal Brasil está exibindo, para bem de nossa memória, a série de documentários chamado Canções do Exílio. Excelente!
Tem depoimentos incríveis e esclarecimentos indispensáveis, contados pelos próprios cantores que foram exilados.
Tem a fantástica história da composição de Cálice, por Chico Buaarque e Gilberto Gil, e todo o aparato das imagens usadas, além da assunção, por parte de Gil, de que ele não cantaria jamais esta música, pela dor de suas imagens e de suas lembranças.
Vale dizer que o contexto de escrita da música foi mesmo a Semana Santa - daí o cálice contra o cale-se.
Por muito tempo escrevi sobre as músicas do LP Transa, de Caetano Veloso, explorando o embate cultural da estada de Caetano em Londres - no documentário, todos falam das inquietudes de caetano no Exílio, da impaciência, da dor, do desespero e da tristeza, especialmente por estar longe do filho mais novo.
Mamãe Coragem é a música que acompanha a vinheta de chamada da série:

Mamãe, mamãe, não chore
A vida é assim mesmo
Eu fui embora
Mamãe, mamãe, não chore
Eu nunca mais vou voltar por aí
Mamãe, mamãe, não chore
A vida é assim mesmo
Eu quero mesmo é isto aqui
Mamãe, mamãe, não chore
Pegue uns panos pra lavar
Leia um romance
Veja as contas do mercado
Pague as prestações
Ser mãe
É desdobrar fibra por fibra
Os corações dos filhos
Seja feliz
Seja feliz
Mamãe, mamãe, não chore
Eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz
Mamãe, seja feliz
Mamãe, mamãe, não chore
Não chore nunca mais, não adianta
Eu tenho um beijo preso na garganta
Eu tenho um jeito de quem não se espanta
(Braço de ouro vale 10 milhões)
Eu tenho corações fora peito
Mamãe, não chore
Não tem jeito
Pegue uns panos pra lavar
Leia um romance
Leia "Alzira morta virgem"
"O grande industrial"
Eu por aqui vou indo muito bem
De vez em quando brinco Carnaval
E vou vivendo assim: felicidade
Na cidade que eu plantei pra mim
E que não tem mais fim
Não tem mais fim
(Música composta por Caetano Veloso e Torquato Neto, interpretada por Gal Costa - ouçam! é linda!)
P.S.:Aí eu penso mesmo: como é possível que eu não me torne preconceituosa com a música enlatada? Compara isso aí com "Ela sai de saia/de bicicletinha...". Fica difícil, viu?
P.S.2: Parabéns aos egípcios, que não se mumificaram e conseguiram remover do poder um grande ditador.

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