Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cenas de cinema


Sou apaixonada por cinema, de verdade.
Assim como os autores com os quais trabalho na disciplina Literatura e outras artes, como Marinyze Prates e Walter Benjamin, acho que o cinema é uma criação revolucionária.
Hierarquizar a Literatura e o Cinema, colocando a primeira em posição superior ao segundo, além de um preconceito barato, é descuidar das relações entre ambos e desprezar que tanto uma como outro têm linguagens diferentes e suas peculiaridades.
É comum que as adaptações dos livros para as telas sofram inúmeras crítica negativas. Na maioria dos casos, não há inferioridade do cinema em relação à literatura, mas diferenças.
Ao transformar uma narrativa literária numa narrativa cinematográfica claro está que há necessidade de editar partes da obra.
Desse modo se revela uma relação cruel com o tempo: a primeira é que um filme deve durar em torno de 120 minutos, o que implica que dar contar de 150, 200,300 páginas num tempo desse significa selecionar partes do livro para transformar em cenas; o outro lado do tempo é que os prováveis dois anos de filmagem que o filme levou para ser concluído sejam julgados superficialmente por suas duas horas de exibição.
Claro, tem filme ruim, que por si só é um filme ruim: ruim de atores, de roteiro, de iluminação, de tudo, enfim – e aí tanto faz se é adaptação ou não.
Falo agora da minha decepção com um filme de 2004, que eu vi recentemente, tem um mês, eu acho: Nina.
Digo de antemão que eu não sabia que o filme era uma adaptação de Crime e castigo: que filme ruim! Um desperdício de elenco, porque a Guta Strasser, Wagner Moura, Matheus Nachtergaele, Renata Sorrah e Lázaro Ramos,estão figurativamente num filme sem tom, sem ritmo, sem graça, sem tensões, sem nada. O filme não tem nada: pode assistir uns 20 minutos e voltar 40 minutos depois e nada aconteceu, porque o filme não decola.
Fora isso, a cena patética e gratuita de Guta Strasser dançando nua, aliás, só de calcinha, na frente de Wagner Moura, que interpreta um cego, não diz a que veio, não relaciona com nada, fica um apelativo vazio demais.
Se eu fosse crítica de cinema, diria: não assista, é um tédio. Não tem nada a ver com a obra em que se baseia, não tem nada a ver com cinema, aquilo nem parece cinema. Vejam: é o filme que não presta, independentemente da idéia de roteiro, porque não há quem o salve.
Por outro lado, Terra estrangeira é um filme que me fascina, o melhor filme de Walter Salles. Se a gente olhar bem de perto, é um filme de arte em preto e branco, com uma fotografia deslumbrante e fala muito independentemente dos diálogos – as imagens são maravilhosas, exercem uma comunicabilidade absurda.
Fernando Alves Pinto, que interpreta Paco; e Fernanda Torres, que interpreta Álex, protagonizam o filme que tem um fundo político importantíssimo, porque tem como pano de fundo o governo de Fernando Collor e a repercussão de sua política econômica sob o comando de Zélia Cardoso de Mello. É o confisco da poupança que desenvolve a narrativa, pois com o choque da notícia, a mãe de Paco morre, o dinheiro fica retido e isso abre uma odisséia para Paco.
Em meu modo de ver, também como na Odisséia, o filme mostra a vida como jornada e como batalha. Assim, Paco entra na Europa através de Portugal – e lá estão vários imigrantes de países africanos colonizados por Portugal – o que já configura uma ótima possibilidade de pensarmos criticamente o contexto.
Em mim fica a mágoa pelo papel desempenhado pelas mulheres, porque elas são a causa de todas as desgraças: a mãe, a ministra, a namorada (Álex) e as outras mulheres que se insinuam no filme agem na direção de afundar o fosso de infortúnios de Paco. Mas, exceto por esta lógica, que pode ser só um ponto de vista particular, o filme é excelente mesmo.
Essa receita noir, preto-e-branco, não funciona no filme contemporâneo Abril despedaçado, também de Walter Salles – sustenta uma angústia chata, quase sem devir, num tom insosso de narrativa, numa lentidão injustificável, enfim. Acho que a mágoa, aqui, é pela ausência de um happy end. Aliás, nenhum dos citados filmes têm final feliz e aí eu fico achando que nesses momentos em que a arte imita a vida (que nunca tem final feliz), está boicotando a merecida catarse que nós merecemos.
Precisamos de ilusão, porque a crueldade da vida já nos dá muita violência e miséria para interiorizar. Declaro para os devidos fins que sou favorável aos finais felizes e à punição dos vilões, como não ocorre na vida real. Mas, não tem que ter pacto com o real mesmo, se não, não seria ficção.
Caso em contrário, em que a aproximação extremada entre a ficção e a realidade deu super certo foi em Tropa de Elite - tanto o primeiro quando o segundo filme.
Pode não ser o gênero preferido de muita gente, mas temos que admitir: o filme é bem feito, é bom, sabe dosar os ápices de tensão com os momentos de inércia crítica.
Temos desconfiança com todo tipo de best-seller, mas muitos livros se tornam best-sellers por causa dos filmes que foram baseados nessas obras.
No caso de Tropa de Elite, sinto muito aos mal humorados críticos, mas o filme não é maniqueísta, não: mostra vários vértices de um problema e desloca o eixo de visão que polariza os mocinhos e os bandidos - ah, aí os lobos vestidos de cordeiro não gostam mesmo.
E Wagner Moura excedeu todos os limites que um bom ator pode exceder: ele realmente confirma sua consagração nos dois filmes de José Padilha.
Não se pode deixar de citar que semanas depois da estréia do filme, a ficção seria confirmada pela realidade do Rio de janeiro.
E para quem gosta de hierarquia e chama o cinema de sétima arte, digo que pode ser a sétima, mas é de primeira grandeza.

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