Louquética

Incontinência verbal

sábado, 19 de março de 2011

A dor dos mais fortes



Já não me lembro qual foi o filósofo (?) que disse que o desespero dos homens é silencioso, mas essa é uma das poucas exceções dadas às mulheres de que muito me orgulho: posso sofrer e berrar; posso chorar até doer as têmporas; posso subir nas tamancas e fazer uma cena de ciúme com o meu orgulho ferido e com meu sentimento de posse elevado a mil; posso esbravejar ódios e revelar todas as dores sentidas.
No mundo dos homens tudo é comedido, as frases são lacônicas, não pode haver franqueza nem fraqueza, nem pode haver choro também. Por isso eu entendo o luto dele e perco meu tempo para explicar a ela que aquele silêncio ali não é frieza nem indiferença.
Numa vez em que eu voltava de Aracaju, com as lágrimas já avançando para os cílios, finalmente me acomodei na poltrona e quando eu estava em paz para chorar, me apareceu não sei quem, uma daquelas pessoas que estão em todo lugar, que encontramos em toda parte, mas não sabemos exatamente quem é e por causa dela eu experimentei um incômodo controle de emoções.
Pior do que não poder chorar é ter que explicar ao outro o nosso choro, porque cada um lida à sua maneira com a dor. Nesse dia eu vi que mesmo com a liberdade de poder chorar por ser mulher é terrível ter que participar aos outros as suas dores íntimas, aquelas que a gente não quer dividir com ninguém, nem explicar, nem ouvir palavras vãs de conforto.
Pensei, porém, que para os homens é ainda pior. E somente dois homens que eu namorei assumiram seus caos interiores e desabaram em lágrimas, em correntezas de dores. E somente um deles assumiu sua perturbação e pisoteou a insônia, andando para lá e para cá, num desespero de dor que nenhum de nós poderia explicar...e depois chorou e nunca mais se referiu à causa daquela dor.
Dizem muito do peso da cultura sobre as nossas emoções e, sendo um dado verdadeiro, isso me espanta, porque há até mesmo essa diferença de gênero, uma necessidade de flexionar a dor no masculino e no feminino de maneira diferentes, como se a dor não fosse universalmente humana.
E é assim: a cultura nos diz como sentir o luto, como sentir o amor, quando chorar, o que é a dor e quando ela é permitida. O mais interessante é nossa pouca percepção de que manipulam nossas emoções e que o meio sócio-cultural é que faz essa manipulação.
Sempre vou duvidar de que amor só existe um - é o nosso coração que é único, é a experiência de amor que é diferente conforme sejam seus entornos; que amor é para sempre, que homem não chora...


Homem não chora
Nem por dor,
Nem por amor.
E antes que eu me esqueça:
Nunca me passou pela cabeça
Lhe pedir perdão.
E só porque eu estou aqui,
Ajoelhado no chão,
Com o coração na mão,
Não quer dizer
Que tudo mudou,
Que o tempo parou,
Que você ganhou,
Meu rosto vermelho e molhado
É só dos olhos pra fora.
Todo mundo sabe
Que homem não chora.
Esse meu rosto vermelho e molhado
É só dos olhos pra fora.
Todo mundo sabe
Que homem não chora.
Homem não chora
Nem por ter,
Nem por perder:
Lágrimas são água,
Caem do meu queixo
E secam sem tocar o chão.
E só porque você me viu
Cair em contradição
Dormindo em sua mão
Não vai fazer
A chuva passar,
O mundo ficar
No mesmo lugar.

(Frejat - Homem não chora )

Nenhum comentário:

Postar um comentário