Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 11 de março de 2011

Pretérito, porque tudo passa.


Sempre causa alguma estranheza o fato de que pessoas que um dia foram importantes para nós, seja como amigas, seja como amores, depois que perdem o significado para nós, passam a ser realmente uma instância nula.
É perturbador você olhar para aquele ser que um dia foi a razão de sua existência e ver que, agora, entre ele, uma parede, um pé de alface ou uma caixa de isopor, nem dá para diferir.
Bem assim com quem a gente já teve por amigo, apostou, depositou confiança e fez confidências e planos, depois que a gente nota alguma falsidade, alguma frieza, não vale mesmo nada além do que uma lembrança de consternação.
Se a relação valeu a pena, ela apenas muda de tipologia, se transmuta, mas permanece.
Às vezes vamos dizendo adeus bem devagarzinho, sinalizando, fechando uma porta atrás de nós, deixando de compactuar, desatando os nós, compartilhando menos momentos com essas pessoas e aí, quando você nota mesmo, tudo é só lembrança.
Continuo, num erro crasso, atribuindo ao outro o poder de me fazer apaixonar.
Acho que eu nunca me apaixonei por ninguém: as pessoas se fizeram amar, se fizeram amáveis, apaixonantes. Pelo menos é isso que eu digo para esse meu coração fraudulento de emoções. Também pudera! Eu estive cansada. Amor é coisa que cansa.
Se tem uma coisa que eu gosto em Clarice Lispector é o fato de que ela enxerga a crueldade do amor e que ela não diviniza as crianças que, nos seus contos, tendem a ser cruéis, sádicas, malvadas (exemplo maior está lá na Felicidade clandestina). Isso quebra as expectativas porque as pessoas cristalizam seus ideais e odeiam olhar a realidade. Aí foi que o amor me cansou...
Mesmo em minhas relações inconsistentes, tenho uma imensa gratidão por quem me fez sonhar, por quem me fez feliz naqueles instantes, por quem me fez mudar e ter mais coragem. Apesar dessa coragem eu arrisco pouco, eu acho. Talvez seja, também, que eu já não perca meu tempo para estar com quem não é quem eu quero, apesar da pressão das amigas.
Tenho estado mais feliz por estar perto delas, mesmo sendo grupos diferentes de amigas e que, soma-se a isso, a minha dificuldade em explicar em texto a qual das seis Tatianas eu esteja me referindo... Também, nem é necessário, mas é que de vez em quando uma pode ser interpretada como outra.
Gosto de estar só e fiquei feliz por ver que I. também gosta: ela não gosta de namorados infiltrados na casa dela. Homem tem isso de não entender o espaço da gente, de querer fazer demarcações de território... Quando não, faz como aquele idiota fez no meu banheiro, contando as escovas e me interrogando por que eram três, das quais uma aparentemente masculina e uma infantil. Oh, pobre idiota, a infantil é porque eu sigo orientação médica para não machucar minha gengiva; a outra é a minha escova regular e a terceira, ah, essa não tem justificativa, foi deixada aí de propósito, por quem pensou demarcar território.
Estamos todas bem e assumimos nossas escolhas e o preço da liberdade. Eu já estive mais só quando eu estava mal acompanhada, eu já estive mal em outros tempos e apesar de pequenas tempestades, estou bem e sem desesperos.
Quando eu falo nessa desimportância que certas pessoas passam a ter para nós, falo também do impacto que anulação tem para elas que, de vez em quando, demoram a notar o fim das coisas. De todo modo, eu também me assombro porque já tive muita dependência emocional, já tive neuras maiores por me sentir em dívida moral com alguém – se eu pudesse retroceder no tempo, nunca teria aceitado certas ajudas, nem pedido conselhos à pessoa errada, mas agora o que o posso fazer é o que o tempo se encarregou de fazer sozinho. Pode ser a mais banal das imagens, mas vocês notam que quanto mais a gente se distancia de uma coisa, mais ela diminui ante nossos olhos? Deve ser isso que ocorre na verdade dos distanciamentos emocionais.
Viciamos as pessoas a quem amamos em serem amadas.
Viciamos as pessoas de quem dependemos emocionalmente em nossa própria dependência.
Elas, sem dúvida, sentem a abstinência que causamos ao cortar o vício e seguir em frente. Tive um amigo, hoje distante afetiva e geograficamente que, ao me encontrar na UFS, em 2008, ficou deslocado, demorou a entender que eu estava ali como professora, abrindo um evento regional. Ele olhou como se eu não fosse eu e admitiu que me queria dependente e cabisbaixa, como fui frente a ele, por muitos anos.
Isso é até recorrente entre alguns ex-colegas de trabalho meus, do Corpo de bombeiros: um desconserto em me ver fora da cadeia de opressão, fora daquele lugar, em outros lugares.
Hoje, para mim, tudo isso é pretérito - mais-que-perfeitos, porque bem resolvidos.
Dois ex-namorados meus, muito amados, também ficaram estarrecidos ao notarem que eu não nutria nenhuma fração dos sentimentos de antes e tiveram uma postura saudosa e igualmente deslocada, como se houvessem congelado uma imagem de mim, tipo:" esta é aquela que me ama", "louca por mim!". Ah, essa, realmente, não existe mais.
Assim é o que o Grande Amor já não é grande, o Maior Amigo já não é tanto, até alguns inimigos se tornam um nada, um pozinho incômodo a manchar nossas vistas e qualquer água remove isso para longe e abre nosso olhar para outras paisagens.

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