Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 14 de março de 2011

Em terna idade



Como eu sempre saúdo as coincidências da vida, eis que ontem indaguei minhas duas amigas acerca da maternidade, cada uma com suas particularidades de relacionamento e uma discreta propensão ao desespero biológico – já sabem, né? Chamamos de desespero biológico o momento em que as mulheres começam a contabilizar os óvulos, se sentindo velhas, perto dos quarenta, loucas para parir antes que seja tarde, custe o que custar e seja com quem for.
Foi uma demolição de certezas e a pergunta caiu como uma coisa desesperadora; a primeira disse que o namorado já antevê o término da relação, porque ele não quer filhos; a segunda, como está namorando uma mulher e vê firmeza na relação, acredita que não pode prescindir dos filhos, mas se propôs à adoção. Nos dois casos, angústia pura.
Por sua vez, elas disseram para mim, que nunca tive encantamentos por maternidade, que o meu não-querer ser mãe atenta contra os valores da sobrevivência, que a má recepção à minha escolha, por parte das pessoas, se deve ao fato de que não querer ter filhos é confirmar a pouca validade da vida, é confirmar meu desprezo machadiano pela vida, é desfazer a ilusão de eternidade, porque todos os homens se eternizam ao se perpetuarem na espécie. Eu nunca vi assim. Para mim, era uma escolha pessoal, muito minha... E problema de quem quiser ser mãe.
A imposição da cultura não disse nada a esse respeito: desprezei os imperativos e disse um não redondo à maternidade. É que eu não tenho ilusões nem curiosidades biológicas, ou seja, não quero saber, não tenho curiosidade em ver como seria fisicamente um filho, se seria parecido comigo e não me iludo achando que ao ser mãe eu garantiria o meu enfermeiro do futuro, teria quem cuidasse de mim na velhice, se a velhice chegar ou se eu chegar até à velhice.
Não gosto de ver o rosto do meu pai no meu rosto, por exemplo. E pouco sei de onde vêm essas buscas fisionômicas. Nisso uma Grande ex-amiga é igual a mim: não copiamos nossos pais. No caso dela e no meu, olhamos nossos modelos, nossas referências e concluímos inconscientemente que não queríamos parecer com eles. Contraditório, face ao nosso Complexo de Édipo.
Héber é que me dizia que saímos de nossas mães e depois lutamos para que nossas mães saiam de nós.
Um ponto em comum que todos eles têm entre si é que me aconselham a evitar a sinceridade, porque minhas verdades pessoais são incômodas aos outros; disseram que eu inventasse traumas ou restrições médicas do tipo: “Não posso ter filhos”... não sei se isso dá certo, porque eu acho as mentiras desnecessárias, parece que eu não me reconheço, enfim.
Bem, a coincidência foi que o tema do Café Filosófico de ontem foi justamente Filhos: melhor não tê-los?
E para essa provocação não há resposta, mas até lá a Rosely Sayão desceu a madeira na construção social da maternidade, porque não tem nada a ver com a vida real, oculta decepções e dificuldades, fica no núcleo do comercial de margarina e sua família feliz, esconde que a função de mãe foi perpassada para outros profissionais além da babá (e função não é presença, porque às vezes estão presentes a mãe e a babá, por exemplo), e que tudo só confirma o filho como objeto de consumo. A este propósito, família contemporânea confraterniza no shopping, nas compras.
Também estiveram em pauta as referencialidades etárias. E aí está certo: a infância foi encurtada e a adolescência anda durando mesmo até após os 40 anos, embora a palestrante tenha se voltado mais às aparências das populações de mulheres.
Então, meninas se vestem como mulheres, crianças passam a pré-adolescentes (ora, mas são crianças) e aí as gerações seguintes, com seus aparatos de vaidade e de saúde, começam a aparentar cada vez menos idade, de modo que na cabeça das crianças fica difícil estabelecer diferenças de fases.
De fato, há bem pouco tempo, aos 30 nós éramos senhoras enrugadinhas, discretamente vestidas em cores neutras, com um lar para cuidar e nenhuma vida própria. Agora, a gente nem reconhece mais as próprias avós, porque aos sessenta e uns de idade elas estão saradas, com vida sexual ativa, tentando se encontrar com a dita terceira idade.
Odeio essa gente mal amada que finge que não liga para a aparência, especialmente uma: essa pessoinha até tempos atrás falava mal do mega-hair da colega, dizendo: “blábláblá...com aquele cabelo que não é dela”, detonando as negras que adotam outras estéticas (alisam o cabelo, usam lentes de contato, descolorem os cabelos e os pêlos, etc.), depreciando outras que investiam em novidades estéticas, mas, por outro lado, escondendo o peso e a idade próprias, declaradamente sentenciando que havia tempo que ela parou de contar ambos.
Agora ela está magra e feliz, esbanjando a felicidade de estar na beleza-padrão, usando roupas e sapatos “nunca d’antes” usados e bastante jovial. E aí é que está: boa parte dessas críticas é feita por quem não assume seu desejo (seja de corresponder a modelos, seja de ter uma outra aparência). Coletivamente queremos parecer mais jovens, porque isso denota um cuidar de si. Todos nós temos carteira de identidade e não vamos mentir para nós mesmos nossas idades. Entretanto, é preciso colecionar rugas, se dar ao desprezo, não assumir desejos, parecer desleixado para sermos leais à idade real? Desprezível é ser infantilizado, infantilóide – de resto, quem tiver grana que faça o que bem entender; e que não tiver que dê seu jeito, não é ilícito que a aparência traia os documentos, nesse caso. Não há falsidade ideológica aí.
Então, no caso de quem quer ser mãe, os cercames culturais ainda ditam data de validade dos óvulos e outras chateações. Eu já fiz minha escolha desde os 13 anos e o tempo só me ajudou a confirmar a sinceridade dessa escolha (melhor não tê-los!).
Poema Enjoadinho (Vinicius De Moraes)
Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

E, como bem disse o Barão vermelho, "Saudações a quem tem coragem!" e boa maternidade a todos e a todas.

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