Louquética

Incontinência verbal

domingo, 20 de março de 2011

"...E não tem mais nada, negro amor!"



Tudo pode ser uma aprendizado, inclusive as nossas decepções e as nossas relações com as angústias. É que desejamos que nossa vida seja sempre feita de flores, em tons agradáveis, sem más surpresas, sem dores insuportáveis, sem as chatices e dissabores da existência, negando o caráter maior da existência que é o de conviver com o que se deseja e não se pode ter, isto é, com a frustração do desejo. Eu nunca achei que existirmos se destina a sermos felizes: acho que estar feliz é uma conquista, uma ousadia, um desafio e um ato de desobediência – adoro desobedecer e me sentir feliz, e estar em paz com a vida, olhar no espelho e dizer: “Hoje vale a pena existir”. E gosto de entrar no clichezinho do cotidiano e agradecer por estar viva, viver as tristezas de um dia e saber que ao acordar tudo pode mudar. E se não mudar hoje, mudará amanhã, porque nada é permanente. Mas vai que nada mude: então, mudo eu. Ou me mudo, conforme seja.
Eu poderia estar um pouco mais indignada pela calúnia: contaram ao meu ex e a uma cacetada de gente que eu estava no carnaval com um homem maduro, de idade avançada, sendo ele meu ficante daquela ocasião. E foi um alarido.
O suposto ficante é marido da minha amiga, que estava comigo. Estávamos todos ali ( os dois filhos dela e a namorada de um deles, eu e um bando de outros amigos), no meio da Avenida Oceânica. Mas, enfim, deu o maior bafafá na minha reputação, porque o povo do quartel acredita que eu não tenho o direito de reconstruir minha vida amorosa. Também se decepcionam porque eu saí e nunca mais voltei, contrariando os prognósticos de meu arrependimento.
Obviamente, minha vida é muito importante para eles, ainda. E pelo jeito, meu ex vive uma angústia ainda pior, porque tem pavor de saber que eu segui em frente, que eu tenho outro namorado. Não tenho não: não só ali aquele lá em quem eu nem toquei era o marido de minha amiga, como também desfiz os nós que me prendiam ao meu namorinho medieval, embora não dê para negar que eu queria jogar meu orgulho na lata do lixo e dizer a ele que eu estava louca quando terminei, que eu sinto a falta dele, que ele deu sentido a muita coisa em minha vida e me fez sonhar...mas esta não sou eu: eu terminei. Ponto final.
Vejo pelo meu ex e por mim mesma, claro, porque já fiz das minhas, que às vezes a gente se demora na relação que não nos agrada, não é por covardia: é para não deixar o outro livre para seguir seu caminho. É medo de que a pessoa que estava conosco possa ter um caminho lindo, viver coisas diferentes, “Go on”mesmo...e acho que dói um pouco saber que a gente passou, que o outro nos tornou passado, que o outro superou o término, que o outro vive muito bem, sim senhor, sem a gente. Tudo vaidade, ego ferido, egolatria barata que todo mundo tem. E a gente se amarra.
Penso que para aquele povo lá que vive de atravessar minha vida, seja uma dor se saberem superados: minha vida prossegue com ou sem calúnias, com outros personagens, em outras etapas – e como toda vida, com seus altos e baixos, mas com o tesouro maior (e sempre duvidoso) da liberdade: pertenço a mim, sou livre, faço o que eu quero, vou para onde quero, não devo satisfações, não tenho a esconder nada de ninguém exceto aquilo que eu escolho para guardar apenas para mim. E isso deve ser super desagradável para eles.
Mas ele também seguiu em frente, a seu tempo, este citado ex: reconstruiu a vida, morou com uma mulher, pagou o que me devia em termos morais, porque eu sou vingativa e sempre espero que algo aconteça de modo a que as coisas ruins possam ter sua resposta – e essa resposta quem vive dando é o tempo, não depende de minha intervenção direta. Assim, ele me pagou direitinho e ela foi morar com o melhor amigo dele – uma dívida velha que ele tinha comigo, dos tantos chifres que eu levei ao longo dos anos, do meu namoro que ele desmanchou antes de acontecer, se intrometendo e ameaçando meu candidato a namorado; das lições de moral que ele me deu quando soube que eu estava de rolo com Allan em Campinas, a lista é interminável, mas ele saldou a dívida.
Temos um bom companheirismo para as outras coisas, o que nos tornou sócios. Só não imaginava que ele se envolveria desta forma por uma calúnia, nem que se importasse com meu destino, ou que a vaidade dele gritasse tanto contra meu ato de seguir em frente.
Administro minhas crises e não jogo meu destino nas costas dos outros: é preciso ter atitude e sair da casca, que é confortável e quentinha. Estamos expostos aos riscos quando deixamos nossas cascas, mas até mesmo com ela, há quem possa pisar em nossa casca e quebrá-la com violência ou acidentalmente.
No fundo, essas coisas passam por nossas escolhas. Olhar o monstro ou a paisagem; responsabilizar a janela pela paisagem ou encarar as coisas como são; largar a barra da saia da mãe; parar de inventar doenças para ser visitado (ah, como Robson me dizia isso!); assumir uma dor ou uma necessidade; gastar dinheiro e realizar um desejo; se meter em aventuras de alto risco; pagar para ver; ver para crer, fazer ou deixar de fazer, é tudo nossa escolha.
Se a escolha do outro repercutir em nossa vida, é hora de fazer outras escolhas próprias, se afastar, lutar, ponderar se vale a pena parar e esperar – ah, eu não sou dessas: não tenho paciência, não sei parar e sentar na pedra enquanto o sol vai diminuindo de intensidade.
Apesar de tudo,não sei se por mania de professora ou pela ínfima parcela de otimismo que eu tenho, mas julgo tudo como um aprendizado. E neste caso, aprendi que as pessoas, de fato, não são preparadas para serem superadas, para comporem uma página do passado. Então, o que posso dizer é:
Vá, se mande, junte tudo que você puder levar.
Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
chorando feito fogo à luz do sol
Os alquimistas já estão no corredor
e não tem mais nada negro amor
A estrada é pra você e o jogo é a indecência
junte tudo que você conseguiu por coincidência
e o pintor de rua que anda só
desenha maluquice em seu lençol
sob seus pés o céu também rachou
e não tem mais nada negro amor
Seus marinheiros mareados abandonam o mar
seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
seu namorado já vai dando o fora
levando os cobertores? E agora?
até o tapete sem você voou
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada...
As pedras do caminho deixe para trás
esqueça os mortos que eles não levantam mais
o vagabundo esmola pela rua
vestindo a mesma roupa que foi sua
risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor.
(Gal Costa - Negro Amor)

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