Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 23 de março de 2011

Inveja: o monstro poderoso!


Falávamos há uns dias sobre ela, felizes, todos nós pelas conquistas obtidas, honestamente obtidas. Daí que alguém escancarou, disse na cara o que todos nós dizemos por trás (e se não o dizemos, pensamos): ela não consegue comemorar uma conquista porque acha que alguém está com o que lhe pertence, que o que o outro tem é sempre melhor do que a quilo que ela tem ou, traduzindo: nossa amiga é invejosa.
Ela pode ter o que for; ganhar o que for, nada será suficiente, porque ela não consegue desfrutar da própria vitória, aliás, ao que pareceu, ela vive mesmo de olho na vida de outras pessoas, julgando que o mínimo que estas pessoas têm é tanto mais do que ela tem.
Gostamos das pessoas apesar de. Nem sempre gostamos porque. E gostar apesar de é assumir que a pessoa pode ser intragável, ter defeitos absurdos e, ainda assim, nutrirmos amor e compaixão por tal pessoa.
Também nos decepcionamos recentemente com a outra amiga que vivia do sintagma: “Eu não vou mentir” e “Quem tem boca fala o que quer”.
Até então, achávamos que a amiga número 2 era apenas uma pessoa desconfiada, incrédula, que achava que todos os outros seres humanos se ocupavam em tecer falsas narrativas favoráveis a si mesmos. Então ela confessou a avalanche de mentiras próprias, admitiu para nós, após anos em que estivemos ouvindo lorotas sem saber, que, afinal, tudo era lorota.
E os detalhes: tudo hiperbolizado – a idade, mentida para bem menos do que o real; o peso, nem se fala, apesar de nossos olhos desmentirem a balança; as histórias de família; as vantagens, as viagens e os acidentes narrados, tudo era mentira. E aí é mentira mesmo: mentira moral.
E quantos de nós ficamos calados e ofendidos quando comentávamos alguma publicação, alguma coisa da vida acadêmica e ela duvidava, pedindo provas através de um interrogatório absurdo... E, quando não havia o que questionar ou se por acaso, ela via que tínhamos algum ganho subjetivo não-declarado, se espantava porque nós não comentamos o fato.
Estava na cara: ela iria duvidar. E se o comentário partisse de amigos dos nossos amigos, vinha a sentença: “Quem tem boca fala o que quer!”.
Era claro que ela tinha mesmo que dizer que “Quem tem boca fala o que quer” e que “Eu não vou mentir”: ela estava mentindo. Todo o tempo, ouvíamos mentiras e acreditamos na mentira porque ela se antecipou para mostrar que não teria porquê sustentar mentiras e, fosse como fosse, não vemos razões para mentir aos chegados.
Não digo em termos de você sofrer violência doméstica e ter vergonha das demais amigas, que sempre questionarão por quê seguir num casamento desses ou por quê não acionar a lei; não digo que a pessoa não esconda o filho drogado, a filha promíscua, o marido viciado, as próprias aventuras sexuais em situações anômalas, do tipo, transar com o cunhado ou ir a uma casa de swing...para tudo isso, a gente sabe que é facultativo compartilhar aquilo que nos causa vergonha, temor de rejeição ou crises morais...mas o resto é pura falta de caráter mesmo.
Se a pessoa mente gratuitamente para os amigos, o que não fará aos inimigos?
Nossa amiga número 1, infelizmente, não usufrui de nada que poderia usufruir: atualmente ela ganha um salário astronômico, que não lhe serve de nada. Primeiro, porque ela é pão-duro, nunca compraria uma calcinha sem lastimar que aquele dinheiro daria para outras coisas. Daí que ela se veste mal e vive mal, materialmente falando.
Segundo, porque ela entoca o dinheiro: gosta de saber que tem, mesmo que seja para não usar para nada. É a total síndrome do Tio Patinhas: ver que o dinheiro está lá.
A parcimônia de ter uma reserva, de ponderar antes de comprar, de ter prudência com as finanças, isso é bom e desejável. Aliás, saudável! Mas não é o caso dela.
Se isso ocorresse porque ela quer comprar um carro, uma casa, fazer uma viagem, fazer qualquer coisa para si, ótimo; se ao invés de usar a grana para si, ela quisesse dar uma casa à mãe, ajudar um amigo ou um parente doente, ótimo! Se ela gastasse tudo com drogas, com garotos de programa, com jóias, perfumes, futilidades, qualquer coisa, enfim, seria compreensível. Mas, como é que se faz tão mal uso de uma grana? Parece coleção de moedas.
Dinheiro é para ajudar a gente a ser feliz e a fazer feliz quem a gente gosta: a miserável não consegue compartilhar. Nem para um tratamento para si mesma ela seria capaz de desviar qualquer 200 reais.
E não consegue ser feliz com nada do que tem, porque tem sempre alguém que tem algo melhor do que o que ela tem e ai, não há dinheiro que pague.
Quando eu digo que os amigos reais confundem nossas vitórias com as suas próprias, também digo que estes confundem as dores alheias com as próprias dores: nunca tivemos atitudes de inveja pelo que ela tem, porque foi fruto honesto da batalha e pensávamos que passar num concurso com um salário de marajá iria ajudá-la a curtir a vida, a ter segurança financeira, tranqüilidade, estabilidade e finalmente trabalhar num lugar dos sonhos.
Na época de suas dores, todos nós corremos lá, numa assistência ininterrupta, num amparo sincero e constante, porque, aliás, ela sempre foi amada por nós e por muitas outras pessoas. Mas, para ela, isso pouco importa porque a outra pessoa, a outra mulher de quem ela tem inveja, comparativamente, foi mais amada, tem mais amigos, tem tudo que ela pensa ter menos ou não ter.

Bem, pode ser um caso de Erva venenosa, by banda Herva Doce regravada por Rita Lee...

Parece uma rosa
De longe é formosa
É toda recalcada
A alegria alheia incomoda...
Venenosa!
Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa
Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel
De longe não é feia
Tem voz de uma sereia
Cuidado não a toque
Ela é má pode
Até te dar um choque...
Venenosa!Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa, Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel
Se porta como louca
Achata bem a boca
Parece uma bruxa
Um anjo mau
Detesta todo mundo
Não pára um segundo
Fazer maldade é seu ideal...
Como um cão danado
Seu grito é abafado
É vil e mentirosa
Deus do céu!
Como ela é maldosa...
Venenosa!Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa,Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel...

Ou pode ser um misto da versão feminina com a versão masculina da inveja:
O carro do vizinho é muito mais possante
E aquela mulher dele é tão interessante
Por isso ele parece muito mais potente
Sua casa foi pintada recentemente
E quando encontra o seu colega de trabalho
Só pensa em quanto deve ser o seu salário
Queria ter a secretária do patrão
Mas sua conta bancária já chegou no chão
Na hora do almoço vai pra lanchonete
Tomar seu copo d'água e comer um croquete
Enquanto imagina aquele restaurante
Aonde os outros devem estar nesse instante
Invejoso
Querer o que é dos outros é o seu gozo
E fica remoendo até o osso
Mas sua fruta só lhe dá caroço
Invejoso
O bem alheio é o seu desgosto
Queria um palácio suntuoso
mas acabou no fundo desse poço
Depois você caminha até a academia
Sem automóvel e também sem companhia
Queria ter o corpo um pouco mais sarado
Como aquele rapaz que malha do seu lado
E se envergonha de sua própria namorada
Achando que os amigos vão fazer piada
Queria uma mulher daquelas de revista
Uma aeromoça, uma recepcionista
E quando chega em casa liga a tevê
Vê tanta gente mais feliz do que você
Apaga a luz na cama e antes de dormir
Fica pensando o que fazer pra conseguir
O que é dos outros
Querer o que é dos outros é o seu gozo
E fica remoendo até o osso
Mas sua fruta só lhe dá caroço
Invejoso
O bem alheio é o seu desgosto
Queria um palácio suntuoso
mas acabou no fundo desse poço.


(Arnaldo Antunes - Invejoso )

Nenhum comentário:

Postar um comentário